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24 de Abril de 2024
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    A pouco mais de um mês de a reforma trabalhista entrar em vigor, Congresso de Direito do Trabalho Rural, evento mais tradicional do TRT, debate formas alternativas de contratação

    Por Luiz Manoel Guimarães


    Concluindo a programação do primeiro dia, o XVIII Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural pôs em pauta um tema que, com a proximidade da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, a chamada reforma trabalhista, neste mês de novembro, ganha contornos ainda mais espinhosos. As formas alternativas de contratação - consórcio de empregadores, terceirização e trabalho intermitente – foram debatidas pelos desembargadores Rita de Cássia Penkal Bernardino de Souza, da 4ª Câmara do TRT-15, e Cassio Colombo Filho, presidente da 2ª Turma do TRT-9 (PR), no terceiro painel do encontro, com apresentação do desembargador Gerson Lacerda Pistori, corregedor da 15ª Região no biênio 2014-2016.

    Com 27 anos de carreira na Magistratura Trabalhista, inclusive na própria São José do Rio Preto, a desembargadora Rita de Cássia, titular do TRT-15 desde 2010, lembrou que, historicamente, as relações de trabalho deram início a um processo de evolução só muito recentemente no Brasil, última grande economia do mundo a abolir a escravidão, em 1888. E ainda seriam necessários exatos cem anos para o País conquistar, com nossa atual Carta Magna, um arcabouço jurídico à altura de uma nação que pretende um dia ser de fato desenvolvida, acrescentou a palestrante. "Ao elevar os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, a Constituição reflete o país que nós gostaríamos de ser, mas que ainda não conseguiu reduzir as desigualdades." Até por isso, a magistrada vê com preocupação a premissa da intervenção mínima do Estado preconizada pela reforma trabalhista. "Esse enfoque de flexibilização, com menos participação do Estado na regulação dos contratos, não vai alterar o quadro de desigualdade no Brasil, muito pelo contrário. Não encontrei em nenhuma literatura qualquer correlação entre redução de direitos e crescimento econômico."



    Sobre as formas alternativas de contratação no campo, Rita de Cássia pregou cuidado, ao lembrar que já existem precedentes de uso fraudulento desse tipo de iniciativa. "Nos anos 1990, a Justiça Trabalhista e o Ministério Público do Trabalho enfrentaram, inclusive aqui no Estado de São Paulo, uma proliferação de falsas cooperativas, que abusavam da contratação de trabalhadores na suposta condição de sócios da respectiva entidade, quando, na verdade, o que havia era a típica relação entre patrão e empregado. Mas a Justiça do Trabalho combateu essa prática, reconhecendo o vínculo de emprego nesses casos."

    Hoje, no entanto, outras formas de contratação, como o consórcio de empregadores, são no entendimento da palestrante uma maneira de, de fato, reduzir o custo da mão de obra no campo sem se furtar ao respeito aos direitos dos trabalhadores. "Os resultados têm sido positivos, com benefícios como a redução das ações dos famigerados aliciadores de mão de obra conhecidos como ‘gatos' e até do trabalho escravo."

    Já o trabalho a tempo parcial, previsto no novo artigo 58-A da CLT, introduzido pela Lei 13.467, vai representar "um grande retrocesso", sentenciou a desembargadora. "A novidade permite uma jornada de 30 horas semanais, sem a possibilidade de horas extras, ou de 26 horas, com até seis horas extras semanais. Uma jornada em tempo parcial que equivale a até 73% da jornada normal? Qual é a vantagem para o trabalhador? Na prática, vai significar uma forma disfarçada de subemprego. Na União Europeia, por exemplo, esse tipo de contratação levou ao fechamento de 3,3 milhões de postos de trabalho em jornada normal, com apenas 2,1 milhões de contratações sob o regime de tempo parcial", condenou Rita de Cássia.





    À terceirização também não faltaram ressalvas. "Tem sido usada apenas como tentativa de redução de custo, e não como forma de contratar trabalhadores especializados numa determinada função. Como consequência, acaba gerando uma grande rotatividade de mão de obra, com a precarização das condições de trabalho", lamentou a desembargadora.


    Preocupação também relevante a magistrada manifestou no que diz respeito ao trabalho intermitente, talvez a mais controversa novidade trazida pela reforma trabalhista. "Já é algo que existe em Portugal, Itália, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo, mas não faz sentido aqui. São outros países, outras regras. Aqui no Brasil, infelizmente, eu acredito que vai converter muitos empregos em trabalho precário. Embora a lei preveja que o trabalhador intermitente não poderá ser remunerado em valor inferior ao salário mínimo-hora ou à remuneração da hora de trabalho do empregado contratado de forma convencional e que exerça a mesma função, o trabalho intermitente vai jogar o trabalhador numa situação de imprevisibilidade completa, no que diz respeito à jornada, ao tempo de serviço etc. As férias, por exemplo, não serão remuneradas. Não passarão de um período sem qualquer contratação, apenas isso. O trabalhador corre o risco de atravessar um mês inteiro completamente ‘zerado', sem nenhuma renda, e ainda está sujeito, na hipótese de não atender uma convocação de trabalho, a uma multa de 50%, a mesma que pode ser aplicada ao contratador que descumprir o que foi pactuado. Os defensores do trabalho intermitente alegam que ele vai promover a inclusão social, com a regularização do que hoje é conhecido como ‘bico', mas acredito que o que de fato vai acontecer é exatamente o contrário, com a supressão de tudo o que concorre para a melhoria na vida social do trabalhador."


    Para a desembargadora, em última análise, a reforma trabalhista "cria uma figura de renúncia de direitos incompatível com o nosso ordenamento jurídico", além de, ao contrário do que esperam os defensores das novas normas, contribuir para um efeito perverso sobre a economia do País. "Precarizando ainda mais as relações de trabalho no Brasil, vai reduzir na mesma proporção a demanda pelo consumo", arrematou Rita de Cássia, para quem a reforma trabalhista "carece de validade ética".


    Avanços

    Paulistano de sólida formação acadêmica, incluindo mestrado em direitos fundamentais e democracia pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (UniBrasil), de Curitiba (PR), e especialização em direito do trabalho pela USP, Cassio Colombo Filho é autor do livro Quem paga essa conta? Danos morais, assédio moral e outras encrencas. O magistrado estima que 30% dos processos ajuizados na Justiça do Trabalho paranaense tenham origem no meio rural.



    Em que pese também mantenha reservas em relação à terceirização de mão de obra, o desembargador vê pontos positivos na Lei 13.429, de março deste ano. "Ela impõe ao tomador de serviços deveres antes não previstos em nossa legislação", argumentou Cassio. "Estabelece, com todas as letras", enfatizou ele, "que é do contratante a responsabilidade pelo ambiente de trabalho". Além disso, comemora o palestrante, "pela primeira vez está prevista em lei a subsidiariedade do tomador de serviços pelas obrigações trabalhistas, tributárias e previdenciárias relativas ao trabalhador terceirizado. É um avanço. Como corresponsável trabalhista, tributário e previdenciário, o contratante se vê obrigado a cobrar da empresa contratada a comprovação de todas essas obrigações. O tomador passa a querer a comprovação de que tudo foi pago e recolhido corretamente. Não dá para fazer terceirização de outra maneira".


    Sobre o trabalho intermitente, o desembargador observou que, no Reino Unido, onde esse regime de contratação já alcança cerca de 910 mil trabalhadores, conforme apontou Cassio, a legislação assegura aos contratados direitos como descanso e férias remunerados. Nos EUA, acrescentou o desembargador, o chamado trabalho Just in time também não exime o empregador da observância a parâmetros mínimos assegurados aos empregados. "Há registro de casos em que empresas que submeteram trabalhadores contratados sob esse regime a salários muito baixos e condições inadequadas de trabalho foram publicamente censuradas e tiveram de se desculpar, além de, naturalmente, rever os termos em que a relação de trabalho era estabelecida."


    Reforçando a fala de sua colega de painel, Cássio defendeu cuidado nas alterações legislativas quando o assunto é a relação entre empregado e empregador. "Precisamos sempre pensar um pouco melhor. Crescimento econômico sem responsabilidade social é algo insustentável."

    Único do País

    A primeira edição do Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho Rural foi promovida em 1993, em Campinas, cidade-sede do TRT-15. Evento mais tradicional da Corte e único do gênero no País, o encontro também já foi realizado em Franca, Marília, Ribeirão Preto, Araraquara, Araçatuba, Presidente Prudente, Barra Bonita, Barretos e São José dos Campos, entre outros municípios.

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