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19 de Abril de 2024
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    Negociação coletiva, trabalho das mulheres no futebol e os efeitos da reforma trabalhista no esporte são debatidos no VI Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo

    Por Luiz Manoel Guimarães

    O juiz Marcelo Antonio de Oliveira Alves de Moura, titular da 19ª Vara do Trabalho (VT) do Rio de Janeiro, reabriu na manhã da sexta-feira, 17 de agosto, o VI Simpósio Nacional de Direito do Trabalho Desportivo. Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), o magistrado falou sobre "A negociação coletiva para a regulação contratual no futebol", no 1º painel do encontro, cuja mesa foi presidida pelo desembargador Lorival Ferreira dos Santos, presidente do TRT-15 no biênio 2014-2016. Realizado no Centro Universitário Salesiano (Unisal), em Campinas, o simpósio reuniu magistrados, advogados, dirigentes esportivos e atletas. O evento teve início na noite da quinta, 16, com uma conferência do uruguaio Diego Lugano (leia matéria aqui)

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    Palestra do juiz Marcelo Moura falou sobre a negociação coletiva para a regulação contratual no futebol

    Desconstrução do direito do trabalho

    "A Lei 13.467/ 2017 surgiu afastada da realidade", sublinhou o juiz Marcelo Moura, para quem, agora, até alguns pontos tidos como verdadeiros dogmas do direito do trabalho correm o risco de serem "desconstruídos" na negociação coletiva, graças à possibilidade de prevalência do negociado sobre o legislado. Esse novo contexto contraria, inclusive, afirma o magistrado, o que preconiza a própria Constituição Federal. Segundo o palestrante, o constituinte fez prevalecer o princípio de que o regramento das relações entre empregados e empregadores no país só poderia ser alterado "com a intenção de melhorar o bem-estar social dos trabalhadores". A Carta Magna, especifica o juiz, só em raros momentos abre uma porta a negociação cujo intento seja flexibilizar direitos: "É o caso dos incisos VI, XIII e XIV do artigo , que tratam da irredutibilidade salarial, da duração do trabalho e do trabalho em turnos ininterruptos de revezamento. São esses os patamares constitucionais da negociação coletiva. Fora isso, só se for para melhorar a condição do trabalhador. Daí o questionamento da constitucionalidade da Lei 13.467/2017", lecionou Moura, lembrando que já há mais de 20 ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal a respeito da reforma trabalhista.

    O palestrante chama a atenção em particular para a mudança introduzida pela nova redação do artigo 620 da CLT, segundo o qual "as condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho. A novidade afasta o internacionalmente consagrado princípio da norma mais favorável", sustentou o magistrado.

    O desembargador Lorival Ferreira dos Santos presidiu o 1º painel do simpósio

    Esquecidas

    A advogada Luciana Costa revelou que 47% das mulheres no futebol não possuem contrato formal de trabalho

    Na sequência do painel, a advogada Luciana Lopes da Costa, que faz parte da diretoria do IBDD, foi a encarregada de destrinchar um tema polêmico: "Mulheres no futebol – profissionais ou não profissionais?". Também membro da ANDD, a palestrante resumiu enfaticamente: "Juridicamente falando, se a atleta tem contrato registrado na respectiva federação, é profissional".

    Na prática, porém, a realidade é outra, pondera Luciana, e as jogadoras de futebol ainda têm muito o que avançar. Segundo a advogada, pesquisa realizada com 3,6 mil "boleiras", em 33 países, mostrou que 47% delas não têm contrato formal, 49,5% não recebem salário e 35% também nada percebem quando jogam pela seleção de seu país. Entre as que são remuneradas, 60% ganham menos de 600 dólares mensais. Não por acaso, 30% das jogadoras pesquisadas exercem outra atividade além do futebol.

    No Brasil, 3 em cada 4 "boleiras" não recebem mais do que dois salários mínimos mensais, acrescentou a palestrante. Enquanto o Campeonato Brasileiro masculino recebeu, em 2017, R$ 283 milhões de patrocínio, de empresas como o Banco Itaú, a Ambev, a Vivo e a Chevrolet, a versão feminina do torneio foi patrocinada solitariamente pela Caixa Econômica Federal, no montante de R$ 10 milhões, e o banco não renovou o contrato para 2018, informou a advogada. Campeão brasileiro masculino da última temporada, o Sport Club Corinthians Paulista fez jus ao prêmio de R$ 17 milhões. No feminino, o rival Santos Futebol Clube – que, por sinal, derrotou o próprio Timão na final – recebeu meros R$ 120 mil.

    Mesmo a mais celebrada jogadora de futebol da história, a brasileira Marta Vieira da Silva, ou simplesmente Marta, eleita cinco vezes consecutivas a melhor do ano em todo o mundo, além de ficar entre as 10 finalistas outras nove vezes, inclusive em 2018 – a vencedora será anunciada no próximo dia 24 de setembro pela Fifa –, aufere salário modesto perto do que recebem jogadores de nível semelhante do lado masculino. "Neymar, por exemplo, ganha cerca de 105 vezes mais", apontou Luciana.

    Por outro lado, é possível enxergar que, no que diz respeito ao futebol feminino no Brasil de hoje, "o copo está meio cheio". Não faz muito tempo, mulher jogando bola era algo ilegal no País, lecionou a advogada. O artigo 54 do Decreto-Lei 3.199/1941 – responsável pela criação do Conselho Nacional de Desportos (CND) –, que vedava à parcela feminina de nossa população "a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza", mirava sobretudo a já então crescente paixão das mulheres por ir além, no futebol, do mero papel de torcedoras. Essa proibição o regime militar tratou de tornar mais enfática com a Deliberação 7/1965 do CND, que, além de fazer menção explícita ao futebol, incluía também, na lista de esportes restritos aos homens, o futebol de praia e o futsal, entre outros. A norma só seria revogada em 1979, pelo próprio CND, por meio da Deliberação nº 10 daquele ano.

    "De proibido o futebol feminino passou a ser uma obrigação dos grandes clubes do País", comemora Luciana. Seguindo o que já havia sido fixado anteriormente pela Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), a CBF, no Regulamento de Licença de Clubes, divulgado em 9 de fevereiro de 2017, estabeleceu, entre outras normas, que, para obter a licença necessária à participação nos grandes torneios de futebol masculino, como o Campeonato Brasileiro e a Libertadores da América, os clubes brasileiros terão de manter também um time feminino. Para os clubes da Série A do Brasileirão, a regra vale já a partir de 2018. Para os da Série B, entra em vigor no ano que vem, e em 2020 para os da Série C. Finalmente, em 2021 os clubes da 4ª divisão passam a ter de obedecer ao regulamento. Isso, pelo menos, no papel. "No Rio, por exemplo, existe apenas uma atleta que é, de fato, profissional, e só o Flamengo mantém um time feminino, mas de forma amadora", denuncia Luciana.

    O caminho para mudar esse cenário é difícil, mas não impossível, acredita ela. "Em 2017, o Campeonato Carioca feminino foi disputado por apenas seis equipes. A Taça das Favelas, por outro lado, reuniu 12 mil jogadoras. É preciso que os clubes despertem para essa realidade e passem a investir na formação de jogadoras. Também precisamos de políticas públicas que estimulem a prática do futebol pelas meninas nas escolas e de investimento das empresas na modalidade."

    Disparidade

    Advogado do Corinthians, Luiz Felipe Santoro apresentou as peculiariedades do contrato de trabalho do treinador

    Advogado do Sport Club Corinthians e assessor jurídico da Federação Paulista de Futebol (FPF), Luiz Felipe Santoro encerrou o painel falando sobre "O regime jurídico e as peculiaridades do contrato de trabalho do treinador". Conselheiro do IBDD e membro da ANDD, Santoro questionou inicialmente sobre qual tipo de treinador sua palestra deveria abordar. "O que ganha 600 mil reais por mês ou o do XV de Piracicaba, cujo calendário de jogos não passa de três meses por ano?"

    No entanto a disparidade salarial não implica a existência de uma legislação diferente para um e para outro, enfatizou o palestrante. "A lei, a 8.650/1993, é a mesma para todos os treinadores de futebol do Brasil e dispõe, por exemplo, em seu artigo , parágrafo único, que o contrato de trabalho do treinador deve ser registrado no Conselho Regional de Desportos e na federação ou liga à qual o clube é filiado. Mas só de dois anos para cá, mais de duas décadas depois de a lei entrar em vigor, é que a CBF passou a exigir esse registro", atacou Santoro.

    Para ele, a principal imperfeição da lei está no inciso I do mesmo artigo. "Fixa um prazo máximo de dois anos para a vigência do contrato. Por quê? Por que não pode ser de três ou quatro anos, por exemplo? Isso é uma barbaridade."Não obstante, a CBF acaba de renovar o contrato do técnico Tite, estendendo-o até a próxima Copa do Mundo, em 2022, ressalvou o advogado, que criticou o Projeto de Lei do Senado 68/2017, o qual pretende reformular toda a legislação esportiva do País, instituindo a chamada Lei Geral do Esporte."Entre outras coisas, mantém esse mesmo prazo limite de dois anos para o contrato de trabalho do treinador."A proposta se encontra, desde fevereiro passado, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, sob a relatoria do senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

    Reforma e doping

    Segundo painel do simpósio foi presidido pelo ministro aposentado do TST Pedro Paulo Teixeira Manus

    Completando a programação matinal, o ministro aposentado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e membro da ANDD Pedro Paulo Teixeira Manus presidiu o 2º painel do simpósio, que debateu mais dois temas controversos: "Reforma trabalhista e as particularidades do desporto", com o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, da 6ª Turma do TST, e "Efeitos da condenação por doping no contrato de trabalho", com o desembargador aposentado do TRT-4 (RS) Ricardo Tavares Gehling.

    "O direito de imagem não tem relação com o direito do trabalho propriamente dito", salientou o ministro Aloysio Corrêa da Veiga

    Integrante da atual composição do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Aloysio Corrêa da Veiga salientou que a atividade de esportista no Brasil, em especial a de jogador de futebol, envolve uma série de especificidades, como direito de imagem, direito de arena, "bicho" (gratificação por obtenção de um resultado favorável) e prêmios. "É um tipo de remuneração muito complexa. O direito de imagem, por exemplo, não tem relação com o direito do trabalho propriamente dito. Tem mais a ver com o direito civil, por ser uma relação comercial, de comercialização da imagem. A não ser que haja uso ilícito da imagem do atleta por parte do empregador. Aí a coisa muda de figura. Muda a natureza da verba, e o atleta pode pleitear na Justiça do Trabalho indenização pelos danos causados a sua imagem. Do contrário, a natureza será tipicamente civil."

    Sobre a aplicação a esse tipo de ofício das mudanças trazidas pela Lei 13.467/2017, o magistrado entende que nem sempre isso será possível. "O chamado trabalho intermitente, por exemplo, não me parece compatível. Acredito que não vai interessar ao clube ou ao próprio atleta. A atividade de esportista presume uma continuidade de preparação que não combina com o trabalho intermitente", afirmou o palestrante.

    Ricardo Tavares Gehling destacou que não é comum a despedida por justa causa de jogadores flagrados no dopping

    Membro da ANDD e do IBDD, Ricardo Tavares Gehling baseou sua palestra no Código Mundial Antidopagem, instituído pela World Anti-Doping Agency (Wada) e cuja versão atual entrou em vigor em 1º de janeiro de 2015.

    Entre outras questões polêmicas, o advogado debateu se a condenação de um atleta por doping pode ensejar a mais extrema sanção aplicável a um trabalhador. "Cabe a despedida por justa causa nesse tipo de contrato? Não é comum, e a razão é econômica. Trata-se de uma relação diferenciada, em que o empregador, o clube, muitas vezes investe alto na contratação do atleta. O vínculo, nesses casos, constitui um ativo econômico da entidade esportiva."

    A Lei Pelé, esclareceu Gehling, não prevê a justa causa. Por outro lado, ponderou o palestrante, a CLT, aplicável subsidiariamente às relações de trabalho entre atleta e agremiação esportiva, dispõe, no artigo 482, as circunstâncias em que a demissão por justa causa pode ocorrer. Já a rescisão indireta do contrato de trabalho, a chamada "justa causa do empregador", está prevista na Lei Pelé, no artigo 28, parágrafo 5º, inciso IV. "A mora salarial, por exemplo, autoriza a rescisão indireta do contrato de trabalho do atleta", lecionou o advogado.

    O simpósio foi organizado pelo IBDD, em parceria com a Escola Judicial do TRT-15 (Ejud), com o Instituto de Ciências do Futebol da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), com a 3ª Subseção da OAB-SP (Campinas) e com o Unisal. A Comissão Organizadora foi formada pelos desembargadores Ana Paula Pellegrina Lockmann, vice-diretora da Ejud, e Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, diretor da Escola no biênio 2014-2016, e pelo presidente do IBDD, Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira.

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